sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A liquidação

O noticiário de hoje apresentou, em todos os telejornais, sem exceção, as grandes liquidações. Aqui, no Brasil, e também no Oriente Médio.

Enquanto milhares de pessoas dormiam ao relento em frente às grandes lojas de departamentos do país, para serem os primeiros a aproveitarem a queima de estoque, outros milhares tentavam dormir ao som dos fogos que varavam a madrugada na noite árabe-israelense. Aliás, provavelmente, estavam rezando pra que a liquidação cessasse. Por um único motivo. Em pleno século XXI, o ser humano ainda se compraz em liquidar. Liquidar futilidades, estimulados por uma senda consumista que assola o ocidente e liquidar...pasmem...vidas humanas. Aproveitem, só hoje, dez crianças palestinas mortas. Liquidação, com o perdão do trocadilho, bombástica.

Enquanto isso, os brasileiros, assim como os demais países ocidentais consumistas estavam mais preocupados em não perder a liquidação de eletrodomésticos, que REALMENTE NECESSITAM. Como ficar sem minha mega-hiper-super TV de LCD de 200 polegadas, só por mil reais? Eu não posso perder essa OFERTA. Além de tudo consumidor é burro. Por quê? Porque se as pessoas parassem um minutinho pra pensar, veriam que:

Primeiro: nenhuma loja vende um produto por um preço menor do que comprou.
Segundo: nenhuma loja abre suas portas para vender e ter prejuízo.
Terceiro: nenhuma loja deixa de embutir os impostos para o governo no produto que você compra.
Quarto: se uma loja anuncia até 70% de desconto, já imaginou qual é o lucro dela fora da liquidação?
Mas ninguém para pra pensar nisso. Era só deixar de comprar fora dos períodos de liquidação. Aí as lojas se obrigariam a baixar os preços. Concorda? Muito difícil isso acontecer. A humanidade busca seus valores no consumo. Preenche suas frustrações na obsessão pelo ter. Comprar virou terapia. Melhor que psicólogo.

Já na liquidação do lado de lá, o ter também conduz os atos da grande empresa israelense. Ter o poder sobre o mais fraco. Ter a soberania do território. Ter a terra só para si. Ter a água, só para si. Nessa liquidação de vidas humanas, israelenses chegaram de madrugada para arrematar os territórios. Os palestinos dormiram no ponto. Estão no fim da fila. Nem por isso deixam de brigar para adquirirem o que lhes é de direito (segundo os próprios).

Na TV vi um cara que se abraçou em duas TV’s de LCD. O repórter ao perguntar quanto custavam os produtos recebeu a seguinte resposta do cidadão:

- Sei lá. O que importa é que essas duas são minhas.
- E como você vai pagar?
- Isso a gente vê depois.

Outra moça. Comprou, por ex-tre-ma necessidade, quatro, eu disse quatro, ferros de passar roupa. No mínimo irá doar três pro bingo da igreja. Óbvio. Como não pensei nisso antes?

Ao ver as ofertas pela tela da TV, me pergunto. Aonde a gente vai parar? Qual o valor das vidas humanas que se perdem diariamente em conflitos que já perderam o sentido há muito? Como é possível centenas de pessoas se aglomerarem e desembestarem como bois no brete para irem às compras? Tem algo muito errado nisso.

As vidas humanas perderam o valor. Desvalorizaram. Não é de se estranhar, portanto, que estejam em liquidação.

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