domingo, 16 de agosto de 2009

Missiva acerca de um dote







Escrevo a Vsas. Srias. esta humilde missiva para tratar de assunto de vossos interesses. É bem sabido, de tempos, de meu interesse em vossa filha, claro que com a melhor das intenções. Considerando o apreço que tenho por vossas realezas, venho por meio desta explicitar toda minha angústia e temor por algo que me toma de preocupações e faz meu sono afastar-se de minha cama todas as noites desde que iniciei colóquio amoroso com vossa princesa.

É de conhecimento de todos nesse reino que sou um pobre vassalo, a serviço de vossas majestades, e que nem tampouco possuo terra onde possa cair morto. Muito menos animais para o serviço da terra ou para servirem de moeda mercantil. Vá lá, detenho tão somente quatro cuscos que me acompanham nas andanças da vida, tal qual um nômade sem destino, mas que desde que conheceu a princesa estabeleceu-se nas redondezas de vosso nobre reino.

Meu trabalho é tão somente o de fazer girar a moeda do reino. Sou um reles funcionário de vossas majestades. Por tudo isso que venho me dirigir a vossas altezas, para falar-lhes a respeito do DOTE. É de costume fidalgo e das melhores nobrezas, o noivo presentear com um regalo os pais da noiva, como forma de agradecer e parabenizar aos ascendentes da mesma, nesse caso, vossa filha.

Por bem, e como já é de conhecimento de vossa rebenta, meu dote resume-se tão somente e unicamente ao amor que nutro por jovem manceba. Sei que é pouco, aliás, é nada, mas é sincero. Simples e de coração. Portanto, se vossas senhorias que já possuem tudo e mais um pouco, contentarem-se com essa pequena demonstração de consideração por suas almas, regozijo felicidades em aceitarem meu dote pela mão de vossa filha.

Espero retorno dessa missiva, com boas novas reais.

Assinado, um nada com coisa nenhuma.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Ermitão






Todo mundo tem um dono. Eu disse todo mundo. É só parar e pensar. Para quem você deve satisfações? Certamente para alguém. Nem que seja o governo. Lógico. Você paga impostos, não paga? Experimenta deixar de pagar. E a lista segue: chefe, mulher, pai, mãe, vizinho, até o flanelinha que cuida do seu carro. Você poderá argumentar que sim, eu me relaciono com essas pessoas, mas elas não são meus donos. Será?

É simples. Todo mundo que quer viver em sociedade deve satisfações para os outros. É natural. Portanto aquela balela de que eu sou independente, mando no meu nariz, não existe. Ninguém é realmente independente, ou livre para fazer o que der na telha. Vivemos num mundo de regras. Necessárias. Escritas por quem? A grosso modo, nossos donos. Você não faz suas regras. Apenas segue aquilo que está estabelecido pelo grupo onde vive. Ninguém muda nada sozinho. Por isso que uma nova regra é discutida e feita por várias pessoas.

Mas voltando aos nossos donos. Acredito que os únicos a não terem donos, mesmo, são os ermitões. Aqueles sujeitos esquisitos que de uma hora pra outra resolvem abandonar tudo e viver isolados. Em cavernas. Como nossos ancestrais primitivos. Admiro os ermitões. Sujeitos corajosos esses. Resolveram ser livres. Independentes. Esses sim. A gente? A gente é cercado de donos. Basta desrespeitar um deles e pronto. Somos punidos. Portanto, concluo, nesse mundo, somos submissos uns aos outros. Como num círculo vicioso. Uns submissos aos outros. Não há escapatória. Pare um minuto e reflita. Se estiver errado, me corrija. Experimenta deixar de pagar o IPVA. Seu carro é preso e você só tem sua liberdade de ir e vir de carro de novo quando pagar a penitência.

Desde que você nasce os donos se apoderam de você. Nem seus pensamentos são seus. Nossas idéias são colchas de retalhos costuradas por nós de milhares e milhares de informações que recebemos diariamente. Nem nos preocupamos em parar e decidir se o que pensamos é ou não é importante ou certo. O mundo de hoje não permite. Nossos donos exigem pressa, exigem conhecimento rápido, exigem ,exigem, exigem. Nomeio isso de paranoia da informação. Nosso novo dono responde pelo nome de internet. A grande rede de informação. A ligar o mundo em segundos. Exige que saibamos coisas que em outros tempos não seria necessário. E assim nos escravizamos mais uma vez. Novo dono. Qual será o próximo? Seremos realmente livres algum dia? Talvez a resposta esteja com os ermitões. Quando encontrar um, entrevisto-o e conto para você.