sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ritual de acasalamento

Foto: Tânia Andrea
Tem uma coisa que adoro fazer. Divirto-me pra valer. Observar as pessoas. Como bom jornalista, tenho que saber ouvir e observar, mais do que falar. E olha que eu falo pelos cotovelos.

Sabe pavão quando está se exibindo para a pavoa no ritual de acasalamento? Pois bem, dia desses, melhor, noite dessas estava eu acompanhado – diga-se de passagem, muito bem acompanhado – num bar aqui em Porto Alegre. Saí pra tomar uma cerveja, digo, algumas cervejas. Então, estávamos eu e minha companhia bebericando alguns goles de uma gelada, conversando frivolidades, quando notei, em uma mesa a nossa frente, um casal (acho) sentado lado a lado na mesa.

Sempre fui meio contra sentar lado a lado com uma mulher. Seja em restaurante, bar ou banco de praça. No cinema vá lá. Afinal é para ver o filme que estamos lá. Ou não? Sentar frente a frente permite entrelaçamento de pernas enamoradas. Olhares e bocas insinuantes de um desejo de prolongamento da toalha do bar no lençol da cama. Além disso, é melhor de conversar, beijar, dar as mãos. Sentar de lado é para jurados. Concorda? Um do lado de outro e as pessoas a desfilar na sua frente no bar. Só faltam as placas com as notas.

Bom, voltando ao assunto, o rapaz e a menina estavam lado a lado, sentados, bebendo uma cerveja. Cochichei para minha companheira que ficássemos prestando atenção na dupla. O rapaz, moreno, magrinho, já havia acendido uma meia dúzia de cigarros. Fumava nervosamente. A menina, uma loirinha, bonita até, magrinha, tomava pausadamente sua cerveja. Eles estavam distantes um do outro. Logo constatei que não eram namorados, ainda. Fiquei mais curioso ainda com a cena. O rapaz, visivelmente afoito e nervoso não sabia como agir diante da menina. Ela, volta e meia, dava uma olhada de rabo de olho pra ele, mas sem coragem para fixar o olhar. Ele, de tão nervoso que estava bebia a cerveja rapidamente. Servia novo copo e não se preocupava em reabastecer o da moça.

Passados alguns minutos, ele foi se chegando para perto dela. Arrastou a cadeira. Ela retribuiu. Virou-se para ele. Eu e minha companheira ríamos sem parar, cuidando, obviamente, para não aparentar que o motivo de tamanha alegria era a cena que se desenrolava a nossa frente. Comecei a notar algo que sempre acontece quando um casal está se conhecendo e estão interessados mutuamente. A chamada linguagem não verbal. Se você, leitor, parar para olhar, notará que, quando um homem e uma mulher estão interessados um no outro, repetem inconscientemente os gestos do parceiro. Se ele coça a cabeça, ela passará a mão nos cabelos. Cruzada de perna de um lado, cruzada da mesma perna do outro. Se ele se debruçar à mesa, ela fará o mesmo. É instinto, inconsciente. É uma forma de aproximação. De dizer que o outro lhe agrada. Que você responde corporalmente a um estímulo de excitação proveniente da presença do outro.

Nessa hora me lembrei do pavão e seu ritual de acasalamento. O macho se empena todo para a fêmea para demarcar território. Mostrar que está ali e interessado nela. Caí na gargalhada. Imaginei o rapaz levantando da mesa e abrindo sua plumagem para a menina. Já pensou se tivéssemos penas! Depois iríamos cantar, provavelmente, como os galos no galinheiro. Tudo parte de um ritual de acasalamento. É por isso que um casal se aproxima. É instinto. Preservação da espécie. Como diria Martha Medeiros, é o jeito de cada um que atrai. O jeito. Isso mesmo. Nossa plumagem nada mais é do que como nos mostramos ao outro. Como no ritual de acasalamento do pavão.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O embarque


Hoje é quarta de cinzas. As cinzas da nossa paixão, que sobraram depois de três dias de folia em nossos lençois. Nossa escola foi campeã. Você sabe disso. Desde o primeiro olhar. O primeiro beijo. O primeiro abraço. O primeiro toque. O primeiro encontro dos corpos. Nosso ensaio valeu a pena. Nossa fala e nossa escrita foram perfeitas. Assim como perfeito transformou-se nosso contato. Conheço você há anos. Séculos. Coisa de outras vidas. Só eu e você entendemos. Só eu e você compreendemos nos conhecer tantos anos, que foram compactados em um mês.

As cinzas desse dia estão abafadas com o até logo dado hoje. Sim. Porque adeus entre a gente não existe. Nem na morte. Vamos nos permitir partir no mesmo dia. De mãos dadas. Como combinamos que será nesse período que nos resta aqui. Embaixo das cinzas a brasa do nosso amor permanece. Aquece o coração e espanta o frio da solidão temporária dos corpos, mas não dos espíritos. Esses permanecem unidos.

Feche os olhos. Sinta minha presença ao teu lado em tua cama. Meu espírito serelepe e irrequieto foge do casulo e te visita. Todas as noites em que estivermos distante. Quando sentir um calafrio percorrer teu corpo na madrugada saiba que sou eu a te abraçar para dormirmos de conchinha.

Nossa despedida da avenida é o desfile de nossa escola campeã. As alas que chegaram do céu trazendo-te a mim são as mesmas que agora te levam no desfile da quarta de cinzas. Eu sabia que duraria pouco. Mas que se tornaria eterno. Teu até logo não dói. Nosso amor é leve como as plumas das fantasias carnavalescas. Sem neuroses. Por anos aprendemos a amadurecer. Hoje, na hora exata, entendemos o porquê do sofrimento passado. Era necessário. Hoje nosso amor é liberto. É pacífico. É tranquilo. A dor vivida ontem, hoje, explica a relação. Nosso amor não se permite outra nota dos jurados que não seja o ‘dez’, anunciado efusivamente em todas os quesitos avaliados no desfile. Sim, nosso amor desfilou por três dias. Mesmo já se sabendo campeão, cumpriu o papel de exibir-se na avenida para a plateia interessada em vê-lo.

Quando, finalmente hoje, na quarta de cinzas, você desfila em nossa escola, me dando o beijo e o até logo, rumo ao embarque, sinto, com a certeza do meu amor por ti, que desfilaremos eternamente, sempre sendo campeões, sempre surpreendendo os foliões, sempre apresentando novidades no sambódromo. O desfile final é teu embarque nas asas do abre alas, com a certeza que desembarcará em breve, novamente. Aí, não haverá novos embarques, a não ser que nossas mãos estejam unidas no saguão do aeroporto.

O desembarque



Hoje é carnaval. Feriadão. Aí é que está. Eu não gosto de carnaval. Nunca apreciei muito. Só era bom quando estava rodeado de amigos na rua, tomando uma cerveja e escutando trio elétrico. Não vejo graça em ficar pulando que nem pipoca numa panela gigante sem ritmo, direção e sentido. Pior é carnaval de salão. Você chega a afundar o chão dando voltas e mais voltas em torno do nada, escutando marchinhas da época em que nem era nascido.

Esse ano o carnaval foi diferente. Houve o desembarque. Fiquei um mês ensaiando o desfile com você. Nossos dedos afoitos dedilhavam pelo teclado do computador, tal qual o maestro da bateria afinando os instrumentos para o desfile da escola. Tecemos alegorias, costuramos as fantasias (muitas das quais realizadas na avenida dos nossos lençóis), desenhamos carros alegóricos dos passeios realizados na cidade vazia para nós, alinhamos passistas e portabandeiras a sambar num ritual de aproximação dos nossos corpos. Enfim, fizemos todos os ensaios para colocar a agremiação carnavalesca no sambódromo. Tínhamos uma certeza. Seríamos campeões.

Esperei, ansiosamente, na arquibancada, a entrada da escola. Veio dos céus. Como um pássaro gigante alardeando o abrealas, ela surgiu, sobrevoando o céu da minha cidade de fantasia. Cada volta no ar era um bloco contando a nossa história de amor. Meu coração disparou ao encerrar o desfile na pista de pouso e ao te ver descer para confirmar a nota máxima do júri. Cada passo teu em direção ao saguão do aeroporto era um ‘DEZ’ anunciado pelo júri.

Ao aproximar-se para pegar tua mala na esteira das bagagens, ao misturar-se com os demais foliões passageiros o teu brilho reluzia mais e mais forte, como a anunciar a vitória, o destaque entre todas as escolas. Era a madrinha da escola que irradiava luz e alegria como a prenunciar um jubilo merecido após tanta espera e trabalho.

Ao passar pela porta automática do setor de desembarque, ao me avistar, ao nos beijarmos calorosamente sem sequer ter trocado uma única palavra, deu-se a confirmação da vitória na avenida. Fogos de artifício lançaram-se ao céu como a gritar a vitória do nosso amor. A vitória da nossa escola. O desembarque.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Coca-Cola e cabelo




Há coisas que deveriam terminar. Outras não. Entre as que deviam ser exterminadas, está a coca-cola light. Vejam bem, não é a coca zero e sim a light. Aquela da latinha prateada. Por quê? Ora porque a coca zero é o upgrade da coca light. Convenhamos, a zero dá um show na irmã mais velha. Eu detesto coca light. Gosto de coca zero. Hoje pedi uma coca zero no almoço e a moça da lancheria me disse que só tinha coca light. Foi aí que percebi que não havia mais razão para existir coca light. A coca zero tem a mesma função, mesmo objetivo e....é muito mais saborosa.

Comecei a conjecturar com meus botões o porquê de haver ainda tanta coca light em Porto Alegre (suponho que no resto do Brasil também). Primeira hipótese: há um número enorme de latas de coca light para serem abastecidas e vendidas. Meu argumento caiu por terra no mesmo instante. Fosse esse o motivo, era só encher de coca zero as latas de coca light. Há muito aspartame comprado pela Coca Cola que não sabe o que fazer com ele? Também não. Olhei o rótulo. Coca zero também leva aspartame. Última tentativa. Deve haver alguém que goste (blargh) de coca light. Alguém não, alguéns.

E provavelmente enviou um abaixo assinado ou entrou com uma liminar na justiça, antes que, a gigante dos refrigerantes retirasse o produto da lata prateada, das prateleiras. Só pode ser essa a explicação. Porque não há razão lógica para dois refrigerantes de cola, da mesma empresa, com a mesma função (sem açúcar e, portanto, menos engordante), disputarem espaço nas geladeiras de mercados e bares. A partir desse momento comecei a odiar ainda mais a coca light e seus admiradores. Afinal eram eles o motivo de eu não poder saborear o refrigerante predileto no meu trivial almoço. Se não fossem as latinhas prateadas e seu líquido horroroso, o espaço da geladeira seria ocupado pela versão melhorada do refresco. Isso é o mesmo que você comprar um computador novo para substituir outro e não se desfazer do velho. Pior, continuar utilizando-o.

Há coisas que não deveriam terminar. Outras não. Entre as que não deveriam ser exterminadas está o cabelo. Sim o cabelo. Devia ser proibida queda de cabelo. Do meu, principalmente. É uma injustiça o que se faz conosco, pobres carecas (ou quase). Homem não é muito vaidoso. Vá lá. Mas cabelo é essencial. Quando novo você se orgulha dele. Deixa-o crescer para demonstrar rebeldia. Usa rabo de cavalo. Penteia como quiser. Passa gel. Faz um corte diferente a cada mês. Depois dos dezoito, o que era um corte mensal, passa a ser de 45 em 45 dias. Mais tarde, uma vez a cada dois meses. E assim vai. Entende o desespero? Você tinha uma cabeleira de fazer inveja a modelos de propaganda de xampu anticaspa. De repente os fios vão rareando, caem e não nascem de novo. Você acompanha ao vivo o funeral deles. Um a um caindo. Como se fossem soldados mortos em combate.

Pior ainda, era quando você ia ao cabeleireiro cortar sua juba e ele gastava quase uma hora pra acertar o corte. Agora em cinco minutos, tudo resolvido. Ainda tem que agüentar calado a opinião do cabeleireiro. Das duas uma, ou você rapa a cabeça, ou faz um corte curtinho, batidinho, tipo milico. Não há alternativa. Nem pensar um corte Chanel, chitãozinho e xororó, um corte emo, somente uma aparada nos fios, ou o que quer que seja. Corte padrão. Direto do salão pro alistamento militar. Vantagem, só no consumo do xampu, que cai drasticamente. Assim como seus amigos da cabeça. Cabelos não deveriam terminar. Eles podem ser (ou a ausência deles) a causa de muitas depressões e suicídios entre homens do mundo moderno. E o que falar do cafuné de uma mulher em sua cabeça? Quer coisa mais relaxante e gostosa que um passar de mão contínuo por sua cabeleira indomável? Tem graça fazer cafuné em careca? Óbvio que não. É a mesma coisa que escovar cavalo debaixo de chuva.

O mundo é muito injusto mesmo. Enquanto houver coca light, cabelos continuarão caindo.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Lingerie



Mulher que se preza tem a obrigação de usar lingerie. Daquelas sexy. Sempre. A lingerie é a segunda pele da mulher. É ela quem determina como vai ser o sexo. Lingerie recatada, sexo papai e mamãe. Sem loucuras. Uma transa light. Suave. Lingerie provocante, cinta liga, meias sete oitavos, sexo selvagem, animal, vale tudo.

Imagino que as mulheres gostam de provocar na cama. Gostam de se liberar. Deixam de ser inibidas, puritanas. Uma vez ouvi uma frase que não esqueço: trate uma puta como princesa e uma princesa como uma puta. Calma, mulheres. Deixem-me explicar. Vocês, na verdade, querem ser mais liberais na cama, nada de pudico. Nada de recatamento. Bom, aí é que entram as lingeries. Nós, pobres homens mortais, somos seres visuais. Precisamos ver o que é preciso ser feito. Precisamos de pistas. E a lingerie é uma delas. A mais importante talvez.

Então, se vocês esperam que tenhamos uma ‘pegada’ mais forte na cama, apresentem-se para tal. Vistam-se como profissionais do sexo. Aticem nossa imaginação visual. Não se arrependerão. Com certeza. Agora, no dia que quiserem uma relação mais tranqüila, fácil, coloquem uma lingerie recatada, quase juvenil. Saberemos que não devemos esperar uma leoa na cama naquele dia. O importante é usar. Para nós homens, vocês tornam-se muito mais sensuais quando estão seminuas, do que quando completamente peladas.

Lingerie é que nem acessório de carro. Nós brasileiros somos apaixonados por carro e mulher. Todo homem cuida do seu carro com um amor incondicional. Colocam acessórios, rádios, DVD players, insulfilm, adesivos, rodas. Então, com as mulheres é a mesma coisa. Uma lingerie certa faz com que fiquemos muito mais interessados em vocês. Ela valoriza a mulher. A torna mais atraente, mais bonita. A lingerie faz parte do corpo feminino. É exclusiva das mulheres. Lingerie é a preliminar da preliminar. Faz parte do ato em si. Escorrer a mão por trás das costas de uma mulher. Brigar com o fecho do sutiã para ter acesso aos seios femininos. Desnudar os peitos rijos pela excitação. Baixar a calcinha. Ou não. Descobrir um vale proibido escondido por trás de um pedaço de pano cheiroso. Brincar com a roupa íntima. A lingerie é a porta do play ground que se abre. É o ingresso da roda gigante do parque de diversões.

Quando era menor roubava as revistas femininas para apreciar as mulheres e suas vestes íntimas. Aquelas revistinhas da AVON. Adorava. Ficava a imaginar o corpo por debaixo da roupa. Sonhava o dia de me ver frente a frente com uma peça íntima recheada. Observar o andar de uma lingerie ao seu encontro é tão excitante quanto despir o recheio.

Lingerie faz bem a saúde. A dos homens, mas também a das mulheres. Usem mulheres. Repitam se necessário. Inovem sempre que possível. Cores, tamanhos, formas, cheiros, gostos. Lingerie cola. Pele com pele. Adesivo essencial da relação.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Loiras safadas, morenas recatadas, ruivas...neuróticas



Li uma matéria esses dias sobre uma pesquisa. Adivinha? Sobre mulheres. Melhor. Sobre os cabelos delas. Melhor! Sobre a cor dos cabelos delas. A pesquisa apontava que os homens preferem as loiras para...bem, digamos, vocês sabem para que. As morenas são as campeãs no quesito casamento. Quer mulher recatada, confiável, amorosa? Escolha uma morena amigo. Sem erro. Quer sexo selvagem e incessante? Loira. Com certeza.

O que me intrigou na pesquisa foi o resultado com as ruivas. Segundo a opinião de vários homens, fujam das ruivas. Elas são neuróticas. Será? Eu conheço uma ruiva. Minha mãe. Ela não é neurótica. Bem, talvez um pouco. Nunca namorei ruiva. Vou começar agora. As russas são gostosas. E são ruivas. Impossível aquelas ruivas russas gostosas serem neuróticas. Definitivamente não são.

Vou comprar três tinturas para cabelo. Loira, morena e ruiva. Preciso de cobaias. Vou fazer um experimento. Pego a loira safada, pinto de morena. Tem que se tornar recatada. A ruiva, pinto de loira. Tem que deixar de ser neurótica. Por fim a morena fica ruiva. Por exclusão ela tem que se tornar uma doida varrida. Mas tem um problema aí. Será que qualquer tintura funciona? E se for preciso várias aplicações? Humm...a mudança de comportamento depende, provavelmente, de um uso continuado da tinta. E onde está a vigilância sanitária, que aprovou esse produto sem informar da mudança das cabeças das clientes?

Hehehe, literalmente, a tintura para cabelos está fazendo a cabeça da mulherada. E olha só que legal. As mulheres que reclamam não atingir o orgasmo com seus respectivos, a partir de agora poderão deixar suas melenas da cor do trigo para terem noites calientes com seus amados. As loiras nunca mais sofrerão com as infames piadas a respeito de sua capacidade intelectual. Bastam enegrecer suas gadelhas claras e passarão a altas executivas de multinacionais. Solteiras, deixem Santo Antônio em paz. Pintem os cabelos de preto. Quer ser a gostosa que atrai todos os olhares por onde anda? Tintura amarela nos fios da cabeça.

Mas e as ruivas? Podem aproveitar-se das químicas loiras e morenas para adquirirem sexo selvagem ou um bom partido. Livram-se da neurose instituída pela cor vermelha.
Mas que saco! E as russas? Eu gosto das ruivas russas gostosas. E da vodka russa também. Essa pesquisa foi muito cruel com as ruivas. Minha namorada é ruiva. Será que é neurótica? Por via das dúvidas, vou oferecer as tinturas. Melhor. Compro três perucas. Ela veste a preta para cuidar das finanças e administrar a família de dia. Muda para loira à noite. Obaaaa. Garantia de felicidade conjugal. E a vermelha? Utilizo quando for discutir a relação.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O irmão mais velho


Quem tem irmão mais velho vai entender sobre o que vou falar. Sabe irmão mais velho?
Aquele que lhe bate escondido do pai e da mãe. Te belisca. Faz tortura psicológica. O seu pavor é quando sua mãe diz assim: - Fulano vai brincar e cuida do teu irmão. Isso é a assinatura de uma sentença de tortura caneteada pelo ser que mais te ama, sua mãe. Porque sei lá por que cargas d’águas nossos pais nunca sabem o que acontece entre os irmãos.

Irmão mais velho tem disso. Não gosta da gente desde o nascimento. Ainda mais se antes da nossa presença ele era o xodó da família. Ser deixado de lado o incomoda. Ter que repartir brinquedos, entregar as roupas que nem lhe cabem mais, dói demais. É como se de repente, após anos de sonegação fiscal, o leão tributário confiscasse todos os seus bens. E com leão, só de espingarda. Há uma submissão tácita, acordo unilateral, manda o maior, apanha o menor. Sem negociação. A não ser que você dê alguma coisa que ele precisa, tipo o pacote de bolachas recheadas que você acabou de ganhar no supermercado.

Hoje almocei em um restaurante, pequenino, quase um bistrô, em frente a um hospital de Porto Alegre. Trabalho ali perto. Como era de se esperar, tal local recebe vários profissionais da saúde. Médicos, enfermeiros, além do pessoal administrativo. Como disse, o lugar é pequeno mesmo, deve ter lugar pra umas trinta pessoas no máximo. É um restaurante com uma comida deliciosa. Caseira. Conheço os donos. Italianos. Cozinheiros de mão cheia. Adoro o arroz doce que a dona prepara de sobremesa. Um dia ainda vou lá só pra me dar o luxo de comer somente sobremesa. Vou me esbaldar no manjar branco dos deuses, regado a canela em pó.

Pois bem, lugar pequeno tem uma vantagem, o pessoal meio que se sentam tudo junto. É a sociabilização na hora do almoço. Servi-me e fui sentar na área externa. Comigo duas meninas do hospital conversando frivolidades. Logo, logo, senta à minha frente um rapaz dos seus vinte e poucos anos. De cara constatei ser médico. Falava ao telefone sobre um dos seus pacientes. Era bem apessoado. Um cara elegante apesar de novo. Me bateu uma pontinha de inveja. Imaginei-me ali, no lugar dele. Sim, antes de me aventurar pelas palavras, andei por três anos na escola da cura. Ia me formar médico. Quis o destino trocar bisturi por caneta. Porém, a medicina sempre está a me espreitar.

Comecei a observar a mesa em que me encontrava. Engraçado, as pessoas comem à mesma mesa, mas não trocam sequer um olhar, um ‘bom apetite’ que seja. Estava imerso em meus pensamentos, quando fui acordado por uma jovem, médica, imagino eu, que chegou para falar com o rapagão. Chegou e lascou um beijo demorado nele. Já havia notado a aliança na mão esquerda do rapaz. Inclusive achei muito novo pra estar casado, mas. A moça se chegou, e logo notei algo realmente incrível. O rapaz estava sentado à minha frente, ao lado das duas moças que almoçavam à mesma mesa. Separados unicamente por uma cadeira vaga. Pois então, o primeiro ato da esposa (acho) do médico foi sentar-se entre ele e as meninas, de costas para elas óbvio. Ri por dentro daquilo. Como uma leoa demarcando território a menina tratou logo de definir que aquele macho era seu. Beijos e mais beijos, entremeados por uma meia dúzia de palavras, deixavam claro que não havia a mais remota possibilidade de dividir seu marido com aquelas duas. Onde já se viu? Ela não deixaria. Isolou-as com um simples sentar de costas.

O mais interessante é que reparei que a atitude da jovem foi espontânea, acredito quase inconsciente. O ciúme aprisiona, separa, é egoísta. Ciúme é sentimento de posse, diferente do amor, que quer liberdade. Ciúmes e amor não se comprazem.

O ciúme é o irmão mais velho do amor.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Tatuagem


Essa aí de cima é minha. Está incrustada nas minhas costas. Resolvi fazer ali porque não queria me deparar com ela todos os dias. Sempre me disseram que tatuagem que a gente olha muito enjoa. Portanto, comigo não funciona. Pra poder admirá-la tenho que dar um de contorcionista me torcendo todo em frente ao espelho. Às vezes nem lembro que ela está ali a me acompanhar até os vermes fazerem o serviço.

Tatuagem é marca exclusiva. Roupa única. Feita sob medida. Não tem como copiar o modelito. Já viu mais de uma pessoa com a mesma tatuagem? Eu não. Parecidas sim, iguais nunca. Aliás, tatuagem marca. Definitivamente. Serve até pra reconhecimento de corpo. Cruzes! Lembra-se daquela guria da praia? Com a borboletinha no pescoço. Hummm. Como era o nome dela mesmo? Não lembra. Pois é. Mas a tatuagem é inesquecível.

Lembranças marcam também. São os desenhos grifados na memória. Tatuagens cerebrais e cardíacas. Impossível apagar. Seu HD grava e não apaga. Nunca mais. Lembranças boas, não tão boas assim, ruins. Lembranças. O importante com as lembranças é que você as tatue em um lugar difícil de ver, principalmente as ruins. Porque aí você não as verá com frequência. Nem sequer lembrar-se-á delas. De vez em quando se dará conta de uma ou outra, mas cada vez mais raramente. Assim como a tatuagem na pele elas irão se apagando, a não ser que queira retocar o desenho. Sentir a dor da agulhada de novo? Você que sabe.

Melhor fazer novas tatuagens. Quem faz a primeira quer fazer várias outras. Não vale tatuagem em número par. Tem que ser ímpar. Eu estou pensando na segunda, e, putz, já devo começar a me preocupar com a terceira. Aliás, levei um bom tempo pra decidir tatuar. Coisa elaborada, bem pensada, ruminada no pensamento. Afinal, é pra vida inteira. Mais ou menos que nem filho. Pense antes de ter o seu. É pra vida inteira. Outra. Tatuador devia ganhar que nem médico. Já reparou na responsabilidade da criatura? Um errinho, uma traquejada e, pronto, eis um risco fora do lugar. Fazer o que daí? Ou aumenta-se a tatuagem, ou fica com o risco ali. Esses caras que fazem tatuagem são realmente corajosos. Brincar de desenhar com caneta permanente de corpo, não é pra qualquer um. Admiro-os.

Algumas mulheres se metem a utilizar tais canetas. Brincam de desenhar lembranças nas memórias dos homens. Umas forçam tanto a escrita que a lembrança perdura por anos. Pra resolver isso, só com uma nova tatuadora, que refaça o desenho por cima da lembrança antiga tirando definitivamente qualquer resquício do traçado antigo.

A gente faz tatuagem porque gosta. Você escolhe o desenho que mais lhe apraz, que signifique algo pra você. Salvo demônios e desenhos abstratos. Se bem que, sei lá, vai que alguém goste do diabo. Vai lá e tatua. Problema dele. Poucas tatuagens são exibicionistas. Colocaria aí as dos braços e as de corpo inteiro. Tatuagem é uma exteriorização do pensamento e sentimento do seu dono. Escreve-se no corpo o que não se consegue (ou o que não se quer) escrever no papel. A minha tem um significado. Mas diz respeito a mim, se perguntarem falo sem problemas. Ela expressa algo em que acredito. Foi bolada por mim. Agradeço ao tatuador, retratou precisamente o que eu queria. Artista, sem sombra de dúvida. Mistura as tintas e as agulhas e dá vida à expressão na tela do corpo.

Com as lembranças é assim também. Elas são tatuadas por você. Na sua alma. Elas significam algo pra você, expressam idéias, pensamentos, mas, sobretudo sentimentos.
As lembranças não são feitas para serem exibidas e sim guardadas. As boas lembradas, nostalgicamente. As ruins, fechadas no baú da memória, quebrando-se a chave. Durante sua vida vários tatuadores cruzam seu caminho, pintando em você emoções. Alguns não conseguem tatuar, simplesmente vem e vão. Já outros demoram horas desenhando as futuras lembranças. Cabe a você decidir quem pode ou não desenhar lembranças em seu coração.